quarta-feira, 2 de maio de 2012

Irreligiosidade



“A mente humana é um sistema muito complicado. Desequilibre esse sistema com falta de oxigênio, drogas ou religião e você terá resultados perigosos.” (Landis D. Ragon)


Uma das questões mais debatidas em diversos segmentos da humanidade é a espiritualidade. Não pela importância, mas pelo volume, inevitavelmente o tema nos conduz à religiosidade e sua importância para humanidade. A fé de um indivíduo não pode ser discutida, pois representa a crença em algo mesmo que não se tenha provas para tanto. Porém, não se deve adotar o mesmo posicionamento para as religiões, cujas características podem ser vistas, sentidas, analisadas e são, portanto, passíveis de discussão. Será que a humanidade não pode viver sem religiões para buscar a felicidade, respeitar o próximo e constituir uma sociedade baseada em valores morais coletivos e ainda assim com respeito às individualidades?


Uma religião pode revelar um caráter opressor, acusador e perseguidor, onde a liberdade de opinião daqueles que não fazem parte do mesmo ciclo é ferida a partir de argumentos pouco válidos e disfarçados sob o manto da tolerância. Uma religião não necessariamente indica todas essas qualidades, porém é através dos grupos religiosos que demonstra o pior lado de sua face. Desde os primórdios a religião está atrelada à política e a vida financeira das pessoas, isto é irrefutável e pode ser observado seja na antiguidade ou atualidade. Quando não ocupava o poder estava junto à ele, interferindo nas decisões e monitorando o comportamento da sociedade que liderava.

Vejamos alguns fatos históricos onde a religião foi a razão, ou usada como pretexto, para violar o direito das pessoas, torturar e matar.

As Cruzadas: Foram ações militares religiosas contra a Palestina e Jerusalém com o objetivo de submetê-las ao domínio cristão. Supostas 9 cruzadas fizeram vítimas durante quase dois séculos de conflito. Cerca de 70 mil pessoas foram mortas apenas na primeira cruzada;

Entrada dos Cruzados em Constantinopla, de Eugène Delacroix

Guerra dos Trinta Anos: A guerra começou como um conflito religioso no século XVII e foi tomando feições mais complexas até ninguém saber mais por que estava brigando. Originado pelas rivalidades entre cristãos católicos e protestantes (iniciado com a reforma de Lutero e Calvino) rendeu entre 3 milhões e 11,5 milhões de mortes. A população alemã caiu 20% durante a guerra; em algumas regiões esse declínio chegou a 50% pois vilas inteiras sumiram;

A antropóloga Bettina Jungklaus escava uma vala comum na qual foram colocados cerca de cem soldados mortos durante uma batalha da Guerra dos Trinta Anos. O combate aconteceu em 5 de outubro de 1636, perto do vilarejo de Scharfenberg, cerca de 100 quilômetros ao norte de Berlim. (Fotos: Fabrizio Bensch/Reuters)

Massacre de São Bartolomeu: A noite do dia 23 de agosto de 1572 foi marcada por um sangrento conflito entre cristãos católicos e cristãos protestantes onde cerca de 3 mil pessoas foram mortas. Estima-se que entre 30 mil e 100 mil tenham sido vitimadas nos meses seguintes;

Massacre de São Bartolomeu, de François Dubois

A Colonização da América: Os povos indígenas são os verdadeiros representantes desse continente que veio a ser chamado de América, onde os conquistadores europeus utilizaram de métodos perversos para subjugar o povo vermelho. Escolher entre a cruz e a espada eram as alternativas à disposição dos conquistados. Tiveram seus templos destruídos e substituídos por igrejas cristãs, as estátuas de seus deuses transformadas em pó, suas roupas, lendas e tradições ridicularizadas; foram escravizados, e por vezes castigados diante dos risos da nobreza e de religiosos. A conquista da América representava para igreja, além de um avanço econômico, a propagação do cristianismo no mundo e não é difícil perceber como nossa sociedade vive os frutos dessa barbárie.

Celebração da Primeira Missa no Brasil, de Vitor Meirelles. Uma das ações iniciais para exploração indígena, subvertendo-os à cultura dos brancos e controlando possíveis reações diante da invasão lusitana.

Entretanto, não precisamos ir muito longe historicamente para entender o quanto a religião afeta negativamente a sociedade, o presente carrega o legado da intolerância dogmática. Mulheres, pretos, homossexuais, ateus e agnósticos conhecem bem o significado da segregação e perseguição religiosas. A ideologia cristã é contradita com qualquer fato que destaquemos atual ou historicamente. Segundo a história cristã, Cristo pregava o amor aos inimigos, o acolhimento aos necessitados, a revelação do reino dos céus aos que distam deles, e o que vemos hoje é uma garra de preconceitos, autoritarismos e segregações imposta, essencialmente, por cristãos protestantes. Existe no congresso brasileiro, um estado dito laico, uma “bancada religiosa”, que pretende impor suas conjecturas a toda a sociedade. Um dos partidos que formam essa “organização” é o Partido Social Cristão (PSC) utiliza sua interpretação a respeito de uma filosofia religiosa para exigir normas para toda a população brasileira, mas afirma que o "partido não é religião". Sendo anunciado por discursos como "depois de Deus, o ser humano em primeiro lugar", que desprestigiam aqueles que possuem uma crença diferente da sua, tem conseguido algumas representações na política nacional. Através de Silas Câmara (deputado federal) apresentou proposta para criação do cargo de capelão parlamentar para cada início de sessão na Câmara dos Deputados, abrindo-as com alguma oração, violando a constituição nacional. Silas Câmara responde a processos por apropriar-se do salário dos funcionários de seu gabinete, improbidade administrativa, ilegalidade em campanha eleitoral e abuso de poder. "Pessoas de religiões perseguidas por esses evangélicos, bem como ateus e agnósticos, pessoas LGBT, cristãos de denominações mais inteligentes e inclusivas, gente que ama as liberdades civis e odeia os fascismos não pode - em sã consciência - votar em candidatos de um partido desses", afirma Sergio Viula, que critica o projeto de lei do deputado estadual Édino Fonseca (PSC) que prevê o custeio de tratamento psicológico para pessoas interessadas em ''virar heterossexuais''. O texto, condenado por psicólogos e psiquiatras, já passou por três comissões na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Um arauto da religiosidade atual são os “pop-stars de Cristo”, onde pastores e padres aventuram-se no mundo da música num mercado de lucros às custas do “nome do senhor”, dessa espécie de negócios. Não estão mentindo quando dizem: “Jesus Salva!”.

O Fundamentalismo Cristão esteve por detrás “da maioria dos atos de violência cometidos nas mais variadas latitudes geográficas do mundo. É nos Estados Unidos de hoje que encontramos o maior contingente de fundamentalistas, só que cristãos. Os pastores das igrejas batistas, presbiterianas, episcopais e adventistas apontaram seu dedo acusador para o pecado da modernidade. Os fundamentalistas se ergueram fundando a WCFA (World's Christian Fundamentals Association), em 1919; atribui-se a eles a aprovação da conhecida Lei Seca de 1920 que proibiu a bebida alcoólica nos EUA. Se tornaram íntimos do poder, cometeram vários atentados e assassinatos contra funcionários e médicos de clinicas de aborto, se posicionaram contra as mais recentes experiências com a reprodução artificial e a favor da introdução da reza obrigatória nas escolas públicas, contra a Emenda de Emancipação da mulher e, mais ainda, contra os direitos dos homossexuais. No campo das ideias empenham-se para que as escolas ensinem o criacionismo, a teoria da evolução de Darwin eles consideram como demoníaca. Quem mais lhes deu espaço, a autodesignada Maioria Moral, foi o Presidente Ronald Reagan (1981-89) que os considerava úteis na mobilização anticomunista, e também como instrumento para bloquear as leis liberalizantes dos seus adversários do Partido Democrata” (texto de Voltaire Schilling, Professor de História e Mestrando na UFRGS).

Não existe firmeza suficiente na maioria dos seres humanos para discernir entre o respeito a sua escolha e o fanatismo que assola a maioria dos cultos e credos do mundo. As massas não são instruídas a compreender que sua escolha é tão legítima quanto a de outros, cuja trajetória conduz a outra crença ou ainda à ausência de crenças, pois essa concepção não é interessante aos “negócios” de seus respectivos líderes, visto que religião é negócio desde sempre e, apesar dos discursos aparentemente contrários, essa posição apenas se consolidada com o tempo. No filme Coração Satânico há uma frase muito pertinente a esse assunto, dita pelo personagem Louis Cyphre: “Há religiões suficientes para os homens se odiarem, mas não o bastante para se amarem”.


Nota: Sendo a religião dominante no Brasil, tornou-se inevitável que o cristianismo tenha sido tomado como referência na maioria das ideias expostas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário